segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Fundamentos da engenharia genética

DNA recombinante (rDNA)

Esta tecnologia tem como objectivo produzir moléculas de DNA a partir da combinação de genes com proveniências diferentes.
Primeiramente, é necessário obter os genes para o enxerto. Existem três formas fundamentais de obtenção destes genes:
1. Criar-se uma biblioteca de genes ou banco genómico, que consiste numa colecção de um grande número de fragmentos de DNA do genoma que são armazenados em vectores (de que falaremos adiante) para posteriores utilizações;


2. Fabricar-se o gene em laboratório a partir de RNA mensageiro (mRNA) (técnica do DNA complementar de que se falará posteriormente);
3. Sintetizar-se o gene, nucleótido por nucleótido, na sequência desejada. Isto é feito normalmente para genes que codificam polipéptidos ou proteínas de pequeno tamanho. Para executar esta técnica basta conhecer a sequência de aminoácidos da proteína desejada e, com base no conhecimento do código genético, construir a sequência de nucleótidos que corresponde exactamente à sequência de aminoácidos da proteína.
Depois de se obter o gene de interesse, é necessário que enzimas de restrição cortem o DNA em fragmentos manipuláveis que contêm o gene específico pretendido. Estas enzimas, também conhecidas como endonucleases, são enzimas que clivam a molécula de DNA por hidrólise através do reconhecimento de sequências nucleotídicas específicas. Ocorrem naturalmente em bactérias (o DNA bacteriano está protegido da actividade das enzimas de restrição), protegendo-as dos ataques dos vírus, uma vez que reconhecem e cortam sequências específicas do DNA viral, inactivando-o. Contudo, actualmente, estas enzimas são produzidas por empresas de biotecnologia e são uma das ferramentas básicas em Biologia Molecular e Engenharia Genética.
Após a clivagem, formam-se fragmentos de DNA, em dupla hélice, mas com uma pequena extensão em cadeia simples em cada extremidade (extremidades coesivas). Estes pedaços de DNA designam-se por fragmentos de restrição.


Os fragmentos de DNA que contêm os genes de interesse são, depois, incorporados numa entidade constituída por DNA capaz de transportar o fragmento de DNA para uma célula. Estas entidades designam-se por vectores. Os bacteriófagos, vírus que atacam as bactérias, podem ser usados como vectores. Muitas bactérias, para além da cadeia de DNA principal, possuem cadeias de DNA livres e de forma circular, os plasmídeos, cujos genes, geralmente, não são essenciais à sobrevivência da bactéria, podendo ser retirados e usados também como vectores. Os plasmídeos podem replicar-se independentemente da molécula de DNA principal e podem também fundir-se com ela. Para além destes vectores mais conhecidos, são usados ainda os lipossomas. Estes são, essencialmente, esferas formadas por camadas bilipídicas preenchidas com DNA. Fundem-se espontaneamente com a membrana celular, libertando o seu conteúdo no citoplasma. Estes vectores apresentam, contudo, pouca eficiência.


Desta forma, a mesma enzima de restrição que actuou no DNA com o gene de interesse, actua agora sobre o vector, cortando a cadeia de DNA deste em zonas específicas, expondo uma sequência nucleotídica complementar.
As extremidades coesivas do fragmento ligam-se, então, à cadeia exposta de DNA do vector, estabelecendo-se ligações de hidrogénio entre bases complementares. A enzima DNA ligase promove a formação de ligações fosfodiéster entre as extremidades coesivas de cada uma das moléculas de DNA.
Desta forma, é produzida uma molécula híbrida estável, o DNA recombinante.


Uma vez preparados os vectores é necessário inseri-los em células bacterianas. Assim, os vectores são postos em contacto com estas células, contudo, apenas algumas bactérias conseguem absorver o DNA novo, sendo necessário agora, seleccionar as bactérias que realmente incorporaram o DNA recombinante. Por exemplo, para facilitar a identificação das bactérias que incorporaram o DNA recombinante, os pesquisadores escolhem plasmídeos que possuem genes que conferem resistência a determinado antibiótico. Estes plasmídeos são colocados em contacto com bactérias sensíveis ao antibiótico, sendo que algumas destas os incorporam. Para seleccionar as bactérias que incorporaram o plasmídeo basta adicionar o antibiótico ao meio de cultivo. Todas as bactérias sem o plasmídeo morrem, restando somente as que possuem o plasmídeo com o gene para resistência ao antibiótico. Estas bactérias reproduzem-se e todos os clones resultantes possuirão o plasmídeo com o gene novo.


Assim, esta técnica permite, por exemplo, introduzir porções de DNA provenientes de vários organismos num microrganismo, que, em condições favoráveis, permite a produção de inúmeras cópias do gene (que poderão ser armazenadas nas bibliotecas de genes) ou da proteína codificada por este.

DNA Complementar -DNAc

• Os procariontes são organismos muito utilizados em Engenharia Genética como receptores de DNA estranho porque são fáceis de cultivar, têm um crescimento rápido e processos bioquímicos bem conhecidos. No entanto, não processam o RNAm e, quando recebem genes com intrões, estes não são retirados e a proteína produzida não é funcional.
• DNA complementar (DNAc) – molécula de DNA sem intrões que é directamente transcrita numa molécula de RNAm funcional. O processo de obtenção de DNAc é o seguinte:
1. Isola-se uma molécula RNAm funcional das células.
2. Adiciona-se transcriptase reversa e nucleótidos livres. A transcriptase reversa catalisa a síntese de uma cadeia simples de DNA a partir de um molde de RNAm.
3. Junta-se uma enzima que degrada o RNAm que serviu de molde e DNA polimerase que catalisa a formação da cadeia complementar do DNA.



• O DNAc pode ser inserido através de um vector contendo o promotor e sequências reguladoras.
• Todos os DNAc que se sintetizam a partir do RNA podem ser clonados em bactérias, originando uma biblioteca de DNAc, em que toda a informação (genes que se encontravam a ser transcritos – expressos – num dado momento), fica armazenada em bactérias por longos períodos de tempo, desde que sejam fornecidas todas as condições indispensáveis para a sua manutenção.


Reacção de Polimerização em Cadeia – PCR

Este processo baseia-se no processo de replicação de DNA que ocorre in vivo e é uma das técnicas para clonar DNA de modo a obter grandes quantidades a partir de uma pequena amostra. Este é um método muito sensível de análise e, por isso, é realizado com muito cuidado para evitar contaminações que possam inviabilizar ou falsear o resultado. Em primeiro lugar, deve-se extrair o material genético da célula com interesse sem o danificar. Normalmente, o material extraído é o DNA mas pode-se trabalhar também com o RNA num método designado RT-PCR (reverse transcription polymerase chain reaction) que é uma variante do PCR e possui outras aplicações.
Depois de extraído o DNA, é-lhe adicionada uma mistura que contém nucleótidos (adenina, timina, guanina e citosina), oligonucleótidos iniciadores (primers) e a enzima DNA polimerase. Toda esta mistura é colocada na máquina de PCR, o termo-ciclador, que efectua ciclos de temperatura preestabelecidos com tempos exactos.



• Material necessário:
 sequências de DNA que se pretende amplificar;
 um par de iniciadores (primers);
 os quatro tipos de nucleótidos;
 uma polimerase DNA (Taq);
 solução-tampão que impeça variações de pH e que contenha Mg² , ião essencial para a actividade da polimerase.

Uma reacção de PCR corresponde a um conjunto de ciclos, envolvendo cada um destes ciclos:

Desnaturação da dupla hélice – é conseguida com a incubação do DNA a uma temperatura de 94°C, formando duas cadeias simples a partir de uma dupla cadeia;
Emparelhamento dos iniciadores – diminuição da temperatura aproximadamente para os 60°C, para ocorrer a ligação dos primers;
Polimerização (síntese) de DNA – ocorre a 72°C, temperatura óptima de actividade da Taq polimerase. Esta liga-se na região dos iniciadores, e promove a polimerização, com elongação da cadeia de DNA, servindo a outra como molde.


 Este ciclo é repetido dezenas de vezes, para obter milhões de cópias de DNA, em poucas horas e sem intervenção manual. No final, leva à produção de 2n moléculas de DNA de interesse, em que n representa o número de ciclos.
 A Taq polimerase é uma polimerase extraída da Thermus aquaticus, uma bactéria que habita fontes termais com água extremamente quente, resistindo às variações de temperatura e contribuindo significativamente para o sucesso da técnica de PCR (o aquecimento para desnaturar as cadeias de DNA provocava a inactivação definitiva da polimerase, obrigando a adicionar mais enzima por ciclo de aquecimento).

• Um dos aspectos mais negativos desta técnica é a grande sensibilidade ``a contaminação com DNA estranho, podendo ocorrer emparelhamento entre os iniciadores e este DNA estranho, amplificando sequências não pretendidas.

Impressões digitais genéticas

Com excepção dos gémeos verdadeiros, cada indivíduo possui o seu próprio DNA, que é único. Em 1984, com base nestes princípios, foi possível desenvolver uma técnica destinada a identificar porções de DNA. Esta técnica designa-se por DNA fingerprint ou impressões digitais genéticas.
No seio do DNA encontram-se zonas de restrição – sequências repetitivas ao longo da molécula – cujo número, tamanho e localização são variáveis de indivíduo para indivíduo. Este facto pode ser utilizado de diversos modos para identificar geneticamente os indivíduos.
A partir de uma pequena amostra de material biológico que contenha material genético, como leucócitos, por exemplo, faz-se a extracção do DNA.
Submetido à acção de enzimas de restrição, o DNA fragmenta-se em porções de diferentes tamanhos e pesos moleculares.


















Fig.22 – Zonas de restrição

Estes pedaços de DNA, sujeitos a electroforese revelam um padrão de fragmentos de restrição que é único para cada indivíduo, funcionando como um “código de barras” genético.

Fig.23 – “Código de barras” genético

A electroforese consiste em colocar a amostra de uma determinada proteína num gel ao qual se aplica uma corrente eléctrica no sentido de proceder à separação de variantes da proteína, isto é, a mesma proteína pode diferir em alguns aminoácidos, o que lhe confere propriedades eléctricas diferentes.

Fig.24 – Técnica do DNA fingerprint

Ao longo do DNA há bases que se repetem e que variam de indivíduo para indivíduo, determinando um polimorfismo. Comparando porções da molécula de DNA de diferentes indivíduos é possível investigar problemas relacionados com a filiação biológica, mas sobretudo, em ciência forense, na investigação criminal. Analisando pequenas porções de sangue, cabelo, sémen ou qualquer tecido encontrado nos vestígios do crime, é possível fazer o DNA fingerprint que, depois de comparado com o dos indivíduos suspeitos se podem identificar corpos irreconhecíveis ou mesmo resolver problemas da história.

Fig.25 – Aplicação forense do DNA fingerprint

Fig.26 – Testes de paternidade

Um outro material genético que pode ser utilizado em investigações de natureza médico-legal ou na pesquisa de ancestrais de determinado indivíduo é o genoma mitocondrial. Trata-se de material genético proveniente exclusivamente da mãe e organizado em moléculas circulares da hélice dupla. A maioria das mitocôndrias possui 5 a 10 cópias do DNA mitocondrial que não está ligado a proteínas.

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